CANTO AO GAITEIRO MORTO

                                                                                                                Ari Pinheiro

 

O tempo estava quieto lá fora...

O véu sebruno da noite

estendera um tapete

de luto no pago...

No céu as estrelas

bordavam silentes

uma colcha de luz

pra cobrir o finado...

 

...Uma ponta de tropa

de nuvens ariscas

espiava de longe

no lado poente

e em respeito ao defunto

recolheu-se ao tranquito

mugindo sua dor

nos capões do infinito...

 

No imenso galpão do universo

o Patrão dos Patrões ordeva os encargos –

- Agoem a sala e ascendam os candeeiros

preparem gamelas com fiambre campeiro

e avisem a todos que o baile é dos bons!

 

Num esquife de tábuas

repousa sereno

o corpo cansado

do velho gaiteiro...

 

No topo de um banco

a gaita parceira

soluça em silêncio

velando seu dono...

 

No bojo do fole

se agitam segredos

querendo saltar

através dos botões...

E os baixos saudosos

das mãos de veludo

na quietude da noite

parecem gritar:

 

 

- Levanta gaudério

me toma nos braços

e num jogo de fole

faz troça da morte!

- Diz que é só por farra

outro caso maleva

apenas um susto

que estás a nos dar...

 

Mala  suerte o destino!

 

Um homem que nasce com o dom de encantar

não devia morrer

e deixar na orfandade

os acordes sagrados

que os palcos do pago

ajudaram a nascer...

 

- Mas o rosto calado

de tantos campeiros

gritam outras verdades

nesta noite cruel...

- Não é mais um sonho

não é mais um causo

não é mais um susto

que o velho nos deu...

 

... Se foi o gaiteiro

calou-se a cordeona ...

E a voz dos bugios

perdeu o maestro!

Tranqueia por certo

na estrada divina

que leva as bailantas

dos pagos de cima...

 

Não mais se verão

aqueles dedos ligeiros

tirando do fole

um gaguejar bochincheiro.

E as grossas pestanas

- sua marca sagrada –

foram piruetas

nos bailes do céu ...

 

Só resta pra nós

conservar esta arte

que pra o velho afinal

era quase um brinquedo ...

E o mais xucro segredo

herdado dos ancestrais

e que a morte leva o corpo

mas a alma, esta não morre jamais...

 

Das  seivas de uns

renascem os outros

trazendo na estampa

o entono das taitas

e os novos acordes

serão gritos antigos

das almas que voltam

no bufo das gaitas!