TEMPORAL

Arabi Rodrigues

 

Fazia tempo que o tempo

Vinha se Armanda p’ra chuva.

A tarde vestiu-se viúva,

Prenunciando o temporal.

Ao longe no carrascal,

Entre o silêncio das aves,

Ouviu-se o tronas das chaves

Do capataz celestial.

 

O dia morreu mais cedo

Lá p’ras bandas do poente.

E um cheiro de terra quente

Campeava no pampa arisco.

Que coisa veia, chô-misco!

Quando negreia o varzedo,

“Entre a maré e o rochedo,

Quem sai mal é o marisco”.

 

À sombra da noite grande,

Uma coruja agourenta

Vejo gritar pacholenta

Sobre o moeirão do arame.

Junto ao braseiro, um enchame,

De cinza redemunhava,

Quando o vento atropelava

Por baixo do baldrame.

 

Além do campo, as estrelas,

Lampejos e fogonaços

Urrava, dando trompassos,

Assustando a cachorrada.

No galpão, a gurizada,

Num silêncio arregalado,

Mantinha o medo calado

Co’as pernas bem apertadas!]

 

Lá fora o campo rondava

Os vassalos da harmonia,

Da meia noite pro dia

Até a lua nasceu.

Quando o dia amanheceu,

Vinha do mato um gemido

Do velho tronco caído

Que o raio guacho abateu.

 

A sanga de güela aberta

Se roçava nas barrancas,

Vestidas de nuvens brancas,

Arrancadas da cachoeira.

Nos galhos da pitangueira

Mais tarde foram achados

Restos de sonhos rasgados

Co’a reza da lavadeira!

 

Dava pena a gente ver

As vinte e três invernadas,

Co1as cercas desmanteladas.

Toda a peonada com sono.

Rondando a casa sem dono,

Chorando barbaridade

A grande infelicidade

Daquela tarde de outono!