VIAGEM

Apparício Silva Rillo

 

É preciso quebrar pedra,

Violentar o cal da argamassa.

É preciso cavar a terra úmida,

Verde de musgo alimentado a músculos.

 

É preciso rasgar a madeira,

Abri-la como quem abre as páginas de um livro

Para chegar a ti ó meu pai

Para tocar-te os ossos,

E olhar o mundo onde estás

Pelas viseiras cavas da cavadeira.

 

É preciso ensangüentar as mãos,

Romper os tecidos da pele, as unhas como garras.

É preciso suar como um cântaro de água no facho do sol

E sublimar a força dos braços é preciso,

Para chegar a ti ó meu pai,

A teus campos de sombra onde vermes engordam

Entre as raízes de fundas samambaias.

 

A roupa escura é tua,

Teus estes sapatos hirtos como lanças,

E teus os flocos de cabelos ralos,

O anel no osso do dedo

E a meia de seda frouxa na canela.

 

E nem assim te encontro, pai.

 

Aqui onde chegaram meus dedos,

As unhas como garras,

Aqui onde o sol a pino me desenha

Como a sombra de uma rama debruçada.

 

Não estás onde estás,

Aqui onde me trouxe a lápide rompida,

A argamassa arrancada, a terra revolvida,

A força que eu não tinha e pude ter.

 

Deverás estar e ser.

Não estás, nem és.

 

Perdi a dura viagem, pai.

E me encontrei.