ROMANCE DE ROSA PLENA

Apparício Silva Rillo

 

A Rosa que foi de muitos

agora é Rosa de um só.

China de casa montada

na ruazinha arredada

onde macegas e ventos

bailam vestidos de pó.

 

Vozes lhe batem à porta

e a chamam de "rapariga".

Rosa disfarça, não liga,

cerra as cortinas e os olhos

se adentra dentro de si.

Custou-lhe chegar ali:

- na sala quatro por quatro,

no quarto quatro por três,

no dar-se sem entregar-se,

a quem a toma e em troca

lhe paga as contas do mês.

 

Não mais a gueixa sem marca

sempre pronta pra mais um.

Não mais a mansa de arreio

mordendo o ferro do freio

sem refugar a nenhum.

 

Não mais a noite indormida

vendendo carne e mentira

por notas de cem mil réis.

Não mais o batom cereja

rindo na boca cansada

mordida a cuspe e cerveja

no roxo dos cabarés.

 

Disso ficou-lhe a lembrança,

a cicatriz, a memória,

os episódios da história

escrita a tinta de vinhos

na carne das meretrizes.

(Nunca esquece de onde veio

quem chega e planta raízes).

 

Semente ao vento, plantou-se

quem fora terra de planta

para a semente dos machos.

Agora, só um a tem

quando vem e quando a quer.

Só um se aninha em seis peitos

para exercer o direito

de dono de uma mulher.

 

Mas a noite é de recuerdos,

é de silêncios que gritam,

de arremessos e uivos

de cães danados no seio.

E ele, seu dono, não veio.

 

Não veio para tomá-la,

ferí-la de pluma e garras,

rasgar-lhe o ventre onde canta

todo um verão de cigarras.

E Rosa, transfigurada,

por ventos de danação,

volta a ser quem Rosa era,

desnudo o corpo vestido

por lençóis de solidão.

 

Mãos de fogo nos lunares

dos seios de clara carne

sob os macios do lençol.

Rosa - a de ontem - se assoma

nas chamas vivas que a tomam

toda de sal e de sol.

 

Entre cambraias de gelo

Rosa em brasa se levanta

na cama que a emoldura

como num quadro de santa.

Arde-lhe a carne madura

na noite propiciatória

e Rosa goza-se impura

tomada pela memória.

 

Rosa de pétalas rubras.

Rosa plena.

Dela só.