PEDRO BORGES, CAPITÃO

Apparício Silva Rillo

 


- Capitão velho de guerra,

quem te pôs neste caixão?

Quem te pôs entre essas velas

que tremelicam, ariscas,

enquanto dona Francisca

reza de terço na mão?

 

À dona Francisca Borges

morreu-lhe Pedro, o marido,

estancieiro e capitão.

 

Capitão feito a machado,

por verdade se acrescente,

mas que teba mais valente,

Pedro Borges, capitão!

 

De bom sangue e melhor raça

foi debaixo da fumaça

que ganhou posto e galão.

 

E dona Francisca Borges

recorda o marido Pedro

quando para a guerra partia:

- como seu olhar luzia!

Como se lhe inchava o peito!

Como se punha bonito

no seu dólman de soldado

sobre a bombacha melhor!

 

Cavalo bem aperado

como pra dia de festa.

Na mala de garupa

nuda de roupa e municio.

As armas de matar gente

postas à mão de semear.

 

Mas para matar - cá se diga

por respeitar-lhe a memória

- no mais leal dos encontros,

no verde dos palcos rasos

da fronteira castelhana,

que o capitão trabusana

brigava sempre na frente,

exemplando a sua gente

na peleia campo a fora.

E fosse à lança, à pistola,

fosse à espada, a ferro branco,

sempre o mesmo taura franco

peleando limpo e leal.

E havia até quem contasse

que por respeito ao contrário

que abatia no entreveiro

sacava o velho sombreiro

depois do golpe fatal...

 

Cada vez que ele partia

pras guerras de que gostava,

ela, Francisca, morria

um pouco de cada vez.

E solita ali na estância,

entre piás e crioulas,

lembrava do que o marido

dizia na despedida:

- que homem, pra ser bem homem,

não deve apegar-se à vida

nem pode morrer na cama.

 

Mas pobre de seu marido

que escapou de tanta bala,

de tanta ponta de faca

em tantas revoluções!

Esta pena levaria,

decerto, no seu caixão:

- não ter morrido peleando,

de pingo alçado na rédea

e a espada firme na mão.

 

Mas lhe restasse o consolo

de nesta última carga

ser dele ainda o comando.

Quando o enterro partisse

dona Francisca sabia:

- Pedro Borges, seu marido,

iria bem lá na frente,

como exemplando esta gente

que carregasse o caixão.

 

- No seu lugar de costume,

trabusana, capitão!