MULHER GAÚCHA

 

        Antônio Augusto Fagundes

 

         Os velhos clarins de guerra           

         desempoeirando as gargantas          

         quero-querearam no pago.              

         E o patrão coronelado,                

         reuniu em torno parentes,             

         posteiros, peões e agregados.          

         Chegara um próprio do povo            

         trazendo urgente recado                

         que se ia pelear de novo               

         e o coronel, satisfeito,

         dizia, fazendo graça:                 

         "vamos ver, moçada guapa,

         quem honra a estirpe farrapa

         e atropela numa carga

         por um trago de cachaça..."

 

         Um filho saiu tenente,

         o mais velho - capitão,

         um tio ficou de major.

         (o pobre que passa o pior,

         a oficial não chega, não:

         o capataz foi sargento,

         um sota ficou de cabo

         e a peonada, e os posteiros,

         ficaram soldados rasos

         pra pelear de pé no chão...)

 

         Carneou-se um munício farto

         - vindo de estâncias vizinhas -

         houve rações de farinha,

         queijo, salame e bolacha,

         se santinguando em cachaça

         a sede dos borrachões.

 

         E a não ser saudade e mágoa

         nada ficou pra trás

         a garganta dos peçuelos

         misturava pesadelos

         sanguessugando, voraz,

         cartuchos e caramelos,

         o talabarte e o pala,

         bolacha e pente de bala,

         fumo e chumbo - guerra e paz...

         No humilde rancho de um posto,

         um moço encilhou cavalo

         beijou a prenda e se foi.

         Na madrugada campeira

         luzia a estrela boieira

         sinuelando o arrebol

         e as barras de um dia novo

         glorificavam o horizonte

         lavando a noite defronte

         com tintas de sangue e sol.

 

         E durante largo tempo

         ficou a moça na porta

         olhando a estrada, a chorar,

         sem saber porque o marido

         tem que partir e lutar,

         não entendia de guerra!

         Pobre só votam em quem mandam

         e desconhece outra coisa

         que não seja trabalhar.

 

         Então a moça franzina

         tomou uma decisão!

         Esqueceu delicadezas,

         ternuras de quase -noiva

         e atou os cabelos negros

         debaixo de um chapelão

         e se atirou no trabalho,

         cuidando da casa e campo,

         do gado e da plantação.

 

         Emagreceu e tostou-se

         e enrijeceu como o aço!

         Temperando-se na luta

         madurou-se como a fruta

         que é torcida no baraço.

         

         Montou e recorreu campo,

         botou vaca, tirou leite

         e arrastou água da sanga.

         Fez do tempo a sua canga

         no lento girar do dia

         e quando as vezes parava

         comovida, acariciava

         o ventre, que pouco a pouco

         se arredondava e crescia.

 

         Só a noite, quando cansada

         fechava o rancho e dormia

         seu homem lhe aparecia:

         ora voltava da guerra,

         ora peleava - e morria!...

         Que triste o rancho vazio

         nas longas noites de frio

         ou nas tardes de garoa!

         Que medo de ir a  estância!

         (e ao mesmo tempo, que ânsia

         de saber notícia boa!)

         Vizinha perdera o filho.

         pra outra, fora o marido.

         E um dos que tinham, morrido,

         um moço, que era tropeiro,

         quando feito prisioneiro

         tinha sido degolado

         sem nenhuma compaixão.

         E até um filho do patrão

         se ensartara numa lança

         em meio a uma contradança

         de berro, tiro e facão.

 

         E o fulano? Que fulano?

         Aquele, que era posteiro!

         Moço guapo! No entrevero

         é  como um raio a cavalo.

 

         Trezontonte levou um pealo

         mas é sujeito de potra:

         já está pronto pra outra,

         sempre disposto e faceiro.

 

         E a moça voltava ao rancho,

         tão moça ainda, e tão só!

         E quando fitava a estrada,

         só via o vazio do nada,

         o nada o silêncio e o pó.

 

         Não sabe quem vem primeiro,

         se vem o pai, ou o filho.

         E os seus olhos, novo brilho

         roubaram de dois luzeiros.

 

         Cada noite, cada aurora,

         vai encontrá-la a pensar:

         quando o marido voltar,

         de novo estará bonita

         - novo vestido de chita

         e novo brilho no olhar.

         E quando o filho chegar,

         quantas cargas de carinho

         carretearão os seus dedos!

         Quantos e quantos segredos

         sussurrarão, bem baixinho!

         E para ele, os passarinho

          cantarão nos arvoredos...

 

         Qual deles chega primeiro?

 

         E se um deles não chegar...?

 

         Mas a guerra segue além,

         o filho ainda não vem

         e ela a esperar e a esperar!...

 

         Bendita mulher gaúcha

         que sabe amar e querer!

         Esposa e mãe, noiva e amante

         que espera o guasca distante

         e acaba por compreender

         que a vida é um poço de mágoa

         onde cada pingo d'água

         só faz sofrer e sofrer.