GAÚCHO

Antônio Augusto Fagundes

 

Os moços de Porto Alegre

- escritores, jornalistas,

aqueles que sabem tudo,

ou pensam que sabem tudo...

disseram que já morreste.

Ou então que estás de a pé,

sem cavalo, sem bombacha,

sem bota, espora ou chapéu,

sem comida e sem estudo.

 

Moços da voz de veludo

e máquinas de escrever

produzidos no estrangeiro

dizem que tu, companheiro,

morreste ou estás mui mal

porque o êxodo rural

te atirou pelas sarjetas

sujo de pó e de barro

catando a toa cigarro

nos becos da capital...

 

E no entanto, estás vivo!

Estás vivo e trabalhando

e produzindo o que comem

esses moços do jornal.

 

Quem é gaúcho, afinal?

 

Tenho pra mim que são três:

um é o peão, o assalariado,

o operário campeiro.

O segundo é o estancieiro,

o empresário rural.

O terceiro é o camponês

que se agüenta bem ou mal

sem ter nem peão nem patrão.

No  mais, é um homem solito,

um carreteiro, talvez.

 

São os homens de a cavalo

que agarram o céu com a mão,

rasgando fronteira e chão,

marcando terneiro a pealo,

bebendo o canto do galo

no alvorecer do rincão.

 

São três homens diferentes?

No fundo, os três são um só:

mesma fala, mesma roupa,

mesma alma, mesma lida...

Em resumo, mesma vida,

mesmo barro e mesmo pó.

 

Um mais rico, outro mais pobre.

Prata, ouro, lata ou cobre

que importam, se homem é nobre

e amarra no mesmo nó?

 

A bombacha que eles usam

tem um século. Cem anos!

Os arreios do cavalo

são muitos mais veteranos:

duzentos anos talvez.

E o chimarrão, o palheiro,

o churrasco, o carreteiro,

o truco, a tava, as campeiras,

a gaita, o chote inglês...?

São dos séculos passados,

já tinham, em 93.

 

E a mesma mulher gaúcha

inspira cada vez mais.

 

E a paisagem é sempre a mesma.

Eterna, mas sempre nova.

Do litoral à fronteira,

da serra aos campos neutrais.

Das missões até o planalto

para frente e para o alto

como regiões naturais,

do verde das sesmarias

até o ouro dos trigais

- as duas cores da pátria

que o Rio Grande esparramou

nas plagas meridionais.

 

Porque o Rio Grande é eterno

como é eterno seu luxo:

tu não morreste, gaúcho,

deixa que falem, no mais.

Deixa que o fraco de sempre

(o fracassado, o vencido)

tente te encerrar no olvido

que o futuro lhe promete.

E que te chamem de Odete

os desfibrados morais:

no lombo do teu cavalo

estás tão alto, tão ato,

que a lama preta do asfalto

não te alcançará jamais!

 

Meu pai veio da campanha

com a mulher e dez filhos

e veio para abrir trilhos,

foi sempre um homem de bem.

Jamais andou mendigando,

catando lixo nos valos

ou toco pelas sarjetas.

Não se esqueceu das carretas

nem do tranco dos cavalos.

 

Nasceu e morreu gaúcho.

Trabalhou e foi alguém.

 

E eu herdei seu evangelho.

Me orgulho daquele velho

- eu sou gaúcho também!