UM CERTO SOL

Antônio Augusto Ferreira

 

Que sol é este

que me vem neste porão

onde me escondo?

 

Porão não é lugar

onde sol chegue.

Se for radiante,

muito pior.

 

Saia e não volte

porque a sombra

é meu abrigo.

Quem não nasceu

de olhos fechados,

depois virou

cego por conta,

desaprendeu de olhar.

 

Quem poderá,

se cego for,

sair do escuro

seguindo a luz

atrás do amor

que foi sua cruz?

 

Saia, Seu Sol, de luz devassa,

não venha se meter pela vidraça

e chegar no meu porão,

para espiar.

 

Tira teu olho,

deixa-me só.

Se estou no escuro

meu coração

está seguro

na intimidade desse porão.

 

Acaso eu posso

querer rever quem tanto vi

e me matou com toda a dor?

 

Porque será

que agora vem?

Fora daqui não insista,

repito rua, não volte nunca.

não, nunca não,

nunca é pra sempre,

então talvez seja -

não voltes,

não volte mais, ou

não volte ainda.

 

Quem sabe vindo

na noitezinha,

bater a porta

devagarinho,

e eu possa abrir

um bocadinho

e ninguém veja

você entrar.

 

Nunca pedi

que me obedeça,

vá, mas volte,

não esqueça.