REFÚGIO

            Antonio Augusto Ferreira e Leandro Araújo

 

 

Quando me abanco pro mate

no galpão que tenho em casa,

abro a janela pro Norte

de onde vem o sol melhor.

 

O Norte me conta muito,

além de servir de rumo

como nível, como prumo

a quem levanta uma casa.

O Norte é minha certeza

mesmo andando para o Sul.

 

Nesse galpão que é refúgio

- templo de preces rimadas -

entoaram responso

Aureliano, Silva Rillo,

Juca Ruivo, Luiz Menezes

e Jaime Caetano Braum.

Esses astros do Rio Grande

vieram cantar seus salmos,

- peregrinos dos gaúchos,

que descansam, sete palmos.

 

No galpão tenho por sócio

um cusco quase parente,

meu companheiro de cisma

nas horas de chimarrão.

Enrodilhado, ressoa

o ronco do meu cachorro,

que me rosna por socorro

quando alguém quebra o silêncio

em hora de reclusão.

 

O calor do mate amargo

aquece o corpo cansado.

Meus duendes do passado

se organizaram de novo

e vêm brincar na fumaça

de meu cigarro crioulo

que volta e meia se apaga

fazendo mapas no ar.

 

Se eu consigo olhar pra dentro

com os olhos de cacimba,

ébrio de uivo dos ventos,

pessoas de alma tão simples

vêm chegando a este lugar,

entram no meu devaneio

e se acomodam na roda

onde vou pra meditar.

 

O pai-de-fogo é um albergue

que abriga ao calor comum

tanta gente, tanto sonho

que sobe nas labaredas

para o céu de cada um.

 

Estão aqui ao meu lado

os fantasmas dos que amei,

e creio que ainda os amo,

e não lhes toco num dedo

com receio de perdê-los,

que não posso disfarçar.

 

Minha alma quer voar

e só a custo a retenho,

porque não tenho certeza

se estou de fora ou incluso,

aprisionado nas asas

em sonho de pátria ou pago,

um menor outro mais largo,

mas que são os alicerces

que me dão sustentação.

 

Meu galpão urbano e bueno

me acolhe e não pergunta

se sou um homem do campo

ou apenas transeunte

de passagem demorada

pelo gradil da cidade.

 

É certo que eu estou certo

levando a vida que levo.

O campo é pra quem tem verde

na lonjura da retina,

e o refúgio se torna templo

pra os campos dentro da gente

mesmo em alma citadina.

 

Me ensinou o professor

que a liberdade é uma pomba

quase cansada, no campo

onde o progresso chegou.

 

Há campeiro que só sabe

a mesma lida do gado

de trinta anos atrás,

que não lhe serve senão

pra repetir a rotina,

e o futuro determina

que as mudanças se farão.

 

Da gente do meu Rio Grande,

os que ficaram pra fora

precisam ir à cidade

para tocar seu negócio

ou pro colégio dos filhos.

Os que não tinham preparo

pra viver noutro lugar,

pagando a água que bebem,

ficaram, sem outra escolha,

entre o ir e o voltar.

                                  

Hoje retorno ao meu mate

no galpão de minhas cismas,

solito, sim, mas com séculos

de história e de memória

de meu avô, tão ilustre,

de meu pai, sempre tão bom.

 

Aqui dentro do galpão

conheço quem foram eles,

o quanto em sabedoria

me trazem dos seus avós.

Eles falam e eu escuto,

eu sou todo coração.

 

O meu campo com que cismo

não está tão longe assim,

não tenham pena de mim,

por enquanto esse galpão

me supre as necessidades,

e me separa do abismo

dos precipícios de pedra

nos cinturões da cidade.

 

Ademais, o campo lindo

com que sonho todo o dia

pode não ser fantasia,

Quem sabe já venha vindo.