A DOR DO SANGUE

Antônio Augusto Ferreira

 

Eu prefiro a dor visível,

a dor que apareça,

dessas que, alguém vendo, não esqueça,

que mostre o quadro como o mais horrível.

 

Eu prefiro a dor pra fora,

dor de uso externo,

que cause a impressão a toda a hora

de sofrimento eterno.

 

O sofrimento oculto é degradante,

a dor que não se vê causa piedade.

É preciso, decerto, caridade

para entender a dor sem comprovante.

 

A dor boa é a dor do sangue,

mas muito sangue golfando da ferida,

fazendo crer ao sofredor exangue

que pelo talho se lhe vai a vida.

 

O sofrimento é sempre uma resposta.

Eu, ah! eu é que sei pelo que passo,

preferiria penar o meu pedaço

ante os horrores da fratura exposta.

 

Francamente, a dor que me atormenta

é vil e tão ferina em covardia,

que nem ao menos se apresenta

ante as vidraças da radiografia.

 

Dor que se preze, dor que se sustente

precisa chaga grande ou talho fundo.

De certa forma conforta o penitente

a visão da morte que devora o mundo.

 

Sim, a visão conforta.

É pelos olhos que se esvai a vida.

Quando o olhar se afunda na ferida

é que se entende a natureza morta.

 

A visão da dor materializa

o sofrimento. Dá-lhe corpo. É isto.

A dor nos santifica e eterniza,

foram as chagas que endeusaram Cristo.

 

Lembrem o santo quadro do madeiro.

O pobre mártir só passou aos bravos

porque mostrava a ulceração dos cravos

e a coroa de espinhos agulheiros.

E morreu com dor visível.

O lançaço no peito, o desconforto

da cruz que suportou o homem morto

-lo Deus, eterno e imperecível.

 

Deu-lhe o direito a ressurgir, até,

voltar à vida para novas sagas,

e de exibir, mais de uma vez, as chagas

ante incrédulos olhos de Tomé.

 

 Sim, Tomé virou santo ainda em vida,

pois foi tomado de fé inquebrantável,

depois da conferência inevitável

de haver metido o dedo na ferida.

 

Melhor é a fé oriunda da perícia,

mais se crê com laudo comprovante.

A cor do sangue é sempre mais gritante,

dispensa provas, traz a dor implícita.

 

Por isso, não confio em sofrimento

que devore as entranhas, sem ser visto.

Sem a prova do sangue, francamente,

ninguém convencerá. Nem mesmo Cristo