TROPEANDO A SAUDADE

Albeni Carmo de Oliveira

 

Em um rancho na cidade grande

Um velho xiru mateia.

Quem o vê talvez não creia

Que este velho bonachão

Cabelos brancos risão

Golpeando um trago de canha,

Já foi moço de campanha

Andou em campo e galpão.

 

Ouviu o berro do gado

E o cantar da passarada,

Levantou de madrugada

Bebeu leite na mangueira.

Com carro de curticeira

Foi guri junto a seus pais,

Forjou os seus ideais

Nos moldes da antiguidade,

Onde respeito e amizade

Não se esqueciam jamais.

 

Viu carreiras em cancha reta

Jogo de osso, peleia,

E em noite de lua cheia

Caçadas e pescarias,

E as trovas de aporfia

Com versos cheirando a chão,

Gaita ponto e violão

Nas rodas de cantoria.

 

A água pura de vertente

E quantos banhos de sanga,

O gosto bom da pitanga

Do araçá ou guamirim,

E do perfume de jasmim

Também do manjericão,

De uma mãe dando lição

Com varas de alecrim.

 

Mas eis que um dia o progresso

Lhe cabresteou finalmente.

Deixou para trás sua gente

E mudou-se de querência,

Mas trouxe junto a experiência

Da escola grande da vida,

E nesta estrada comprida

Moldou sua existência.

 

Hoje junto à sua patroa

Restam causos, brincadeiras.

Se a vida não tem porteiras

P'ra quem luta bravamente,

Entra para dentro da gente

Abre o baú do passado,

E nos fala emocionado

O que restou do presente.

 

Restou-lhe campos floridos

Na estrada do pensamento,

E as idéias de Bento

De que houve igualdade.

Um coração sem maldade

De um peão experiente,

Que plantou sua semente

Do interior na cidade.

 

Às vezes ele pára e pensa

Como tudo foi mudando

E progresso transformando

O Santa Fé em concreto.

Até o próprio dialeto

Mudou da noite pro dia,

Os mais velhos é tio e tia

Assim em forma de afeto.

 

Por onde passavam tropas

Passa hoje um caminhão.

A velha luz do lampião

Deu luz a fluorescente,

Nunca mais viu a vertente

Por certo contaminada,

Ou talvez canalizada

Numa mansão imponente.

 

O que será que ele pensa

Ao ver tanto modernismo?

Onde o próprio gauchismo

Em comércio vai virando,

Onde o forte vai mandando

E o fraco sempre oprimido,

O herói fica esquecido

E a miséria nos rondando.

 

O que será que ele pensa

Com aquela cuia na mão?

Talvez seu coração

Corcoveie de ansiedade,

Talvez olhando a cidade

Que foi vila no passado,

Vislumbre um pingo encilhado

para tropear a saudade.